sábado, 12 de setembro de 2015
12 set 2015
14h12
atualizado às 14h15
A nova economia chegou e está causando polêmica. Serviços como o Uber,
aplicativo para celular que oferece transporte de passageiros; o
WhatsApp, que permite troca de mensagens e até ligações gratuitas via
internet; e o Netflix, que possibilita assistir a filmes e seriados
online mediante uma mensalidade, estão agradando os consumidores e
desagradando a concorrência.
Enquanto motoristas de táxi de todo o país estão em guerra contra o
Uber, as empresas de comunicação pedem a criação de normas e a
tributação de alternativas como o WhatsApp e o Netflix. No caso do
aplicativo de troca de mensagens, o fornecimento de serviços de chamada
de voz é a principal polêmica. O Ministério das Comunicações é favorável
à regulamentação.
Do ponto de vista da concorrência, a existência dessas e de outras
opções da chamada economia criativa é positiva, afirma o
procurador-chefe do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade),
Victor Rufino. Ele acredita, entretanto, que a solução para a disputa
que se instaurou em torno dos novos serviços não é simples e será
necessário diálogo e ânimos mais calmos.
“Nós vivemos em uma época em que a internet está realmente
revolucionando diversos setores da economia. A fase em que a gente está
hoje é muito mais de entender e ficar absorvendo esse fenômeno do que de
ficar prescrevendo soluções. Tem um aspecto que é fundamental, que é o
debate transparente e aberto entre todos os envolvidos”, defendeu, em
entrevista à Agência Brasil.
Segundo Rufino, a dificuldade em resolver essas questões não é só do
Brasil, mas de todo o mundo. O procurador comentou as investigações do
Cade sobre atos supostamente ilícitos tanto da parte dos taxistas,
quanto do Uber. Na entrevista, Rufino também comenta a atuação do órgão
de defesa da competitividade na investigação do cartel das empreiteiras
acusadas na Operação Lava Jato.
Agência Brasil -
Os serviços chamados de economia criativa, como Uber, WhatsApp e
Netflix estão sendo cada vez mais demandados pelos consumidores. As
empresas ou pessoas físicas nos setores da economia em que eles atuam
têm dito que se trata de uma concorrência desleal. Mas os consumidores
têm alegado direito à livre escolha e dizem que a ameaça à concorrência
está do outro lado. Quem realmente está desrespeitando a livre
concorrência, na avaliação do senhor?
Victor Rufino -
Em geral, você vê a livre concorrência em dois planos. Existe uma
questão mais ampla, que diz respeito às condições de acesso a um
determinado mercado. Em geral, livre iniciativa, soluções inovadoras,
acesso de novos entrantes ao mercado é algo positivo. Normalmente, a
concorrência vai se desenvolver a partir de três variáveis: preço,
qualidade e inovação. A variável mais interessante é a inovação. Ela
supre necessidades que você nem sabe ainda que você tem. Essa seria a
dimensão mais ampla do processo concorrencial e da economia de mercado,
mesmo. Em uma dimensão mais específica, temos as condições de
concorrência. Há isonomia? Há concorrência desleal? A questão tributária
está ajustada de forma correta? O peso regulatório que um enfrenta é
superior ao do outro? Essas questões vão variar de um mercado para o
outro e necessitarão de respostas que vão variar também. A resposta
adequada para uma questão de uso de rede para oferecer um serviço que
compete com o serviço do dono da rede, por exemplo, vai variar muito das
condições daquele mercado, especificamente. Não tem uma resposta
unívoca para isso. Não dá para dizer esse está certo e esse está errado.
Aí, passa muito mais por uma avaliação mais compreensiva daquele
mercado. É importante destacar também que essas questões de ajuste fino,
elas passam por uma quantidade distinta de órgãos.
Agência Brasil -
Então, na verdade, a questão ainda carece de uma regulação? Há uma
audiência pública sobre o Uber marcada na Comissão de Defesa do
Consumidor da Câmara dos Deputados. Devem discutir também para o
WhatsApp e o Netflix. O senhor acredita que esse é o caminho?
Victor Rufino -
Eu acho que, melhor do que a gente ficar pensando no resultado, em qual
é o resultado mais adequado, no momento o mais importante é pensar no
processo e em como a gente vai discutir isso. A gente vai discutir de
forma aberta, de forma democrática? Chamar audiências públicas, por
exemplo, é positivo. A imprensa conscientizando a sociedade civil, dando
destaque, é positivo também. Fazer uma análise crítica, desapaixonada,
nem tão a favor porque é novo, mas nem tão contra, é muito mais
importante do que já dar um bolo pronto. Esses assuntos são
representativos do período que nós vivemos. Vivemos em uma época em que a
internet está realmente revolucionando diversos setores da economia. A
fase em que a gente está hoje é muito mais de entender e ficar
absorvendo esse fenômeno do que de ficar prescrevendo soluções. Tem um
aspecto que é fundamental, que é o debate transparente e aberto entre
todos os envolvidos. Desapaixonado, sem violência. Esse tipo de debate,
eu acho que vai permitir que a gente chegue a uma solução.
Agência Brasil -
Mas o Cade abriu uma investigação para averiguar se ações dos taxistas estão ameaçando a livre concorrência.
Victor Rufino -
Na verdade, o Cade recebeu duas denúncias. Uma de taxistas contra o
Uber, por concorrência desleal, e uma dos diretórios centrais de
estudantes da UnB [Universidade de Brasília] e do Uniceub [Centro
Universitário de Brasília] contra o comportamento dos taxistas de tentar
impedir o funcionamento do Uber, através de ações judiciais e do uso da
violência, de métodos coercitivos. São duas representações de sinais
contrários. O Cade está cumprindo com a sua obrigação, que é coletar
provas para analisar se esses atos específicos são ou não ilícitos. Esse
processo não vai dizer, em última análise, qual é a regulação adequada
para essa questão, nem se o serviço é legal ou ilegal.
Agência Brasil -
O senhor disse que o Cade está cumprindo seu papel nas investigações.
Mas não existe uma legislação específica regulando um serviço como o
Uber, por exemplo. Como vocês vão avaliar se houve uma lesão à livre
concorrência? O que precisa ser constatado para caracterizar isso?
Victor Rufino -
O que a gente vai ver é se as condutas que estão sendo investigadas se
enquadram nos dispositivos da legislação de defesa da concorrência. Para
isso a gente tem uma jurisprudência, tem uma série de ferramentas. A
questão chave é a questão probatória. Você provar a conduta e, dos fatos
que estão sendo trazidos, extrair consequências econômicas que são
anticompetitivas. A representação dos estudantes acusa duas coisas: a
sham litigation, que é o uso de ação judicial descabida para atrapalhar o
concorrente, e o método violento. O argumento dos taxistas é que o Uber
está se alavancando de uma posição econômica favorável para concorrer
deslealmente e tomar mercado deles. A gente vai analisar os fundamentos
fáticos e econômicos dessa imputação e se há esse tipo de comportamento
por parte do Uber. E se é uma questão de direito da concorrência ou não.
Agência Brasil -
Um argumento dos que defendem o livre uso de aplicativos como o
WhatsApp é que, quando você vai comprar um celular, ou contratar um
pacote, algumas empresas oferecem esses serviços como atrativos. Há uma
operadora de telefonia agora oferecendo um pacote de dados com uso
ilimitado do WhatsApp, por exemplo. Não seria um contrassenso essas
empresas reclamarem desses serviços, já que elas mesmas lucram a partir
deles?
Victor Rufino -
Entendo o ponto. Por que uma operadora de telefonia vai reclamar do
Whatsapp se tem um monte de gente que compra o celular para ter acesso e
paga aquele plano para isso? Ela quer ganhar ainda mais? No final, é o
debate sobre neutralidade da rede. No fundo, é saber o seguinte: eu
posso cobrar mais do Whatsapp, porque ele está usando minha rede? Posso
segregar o preço para o usuário? Posso dizer, “você usa minha rede, mas
para usar o Netflix você vai ter que pagar um pouquinho mais”? É muito
difícil dizer quem tem razão. Os provedores de internet têm metas
regulatórias. O regulador vai lá e diz que ele tem que fornecer internet
por uma velocidade. Ele oferece. De repente aparece algum agente novo,
algum aplicativo que as pessoas começam a usar, e tanta gente usa ao
mesmo tempo que, para manter a velocidade, ele tem que fazer
investimentos enormes. Ele quer receber uma compensação. Essas coisas
são tão novas e tocam em tantos aspectos complexos, que não só o Brasil,
mas o mundo inteiro está se digladiando com elas. Eu acho que o ideal é
que as partes que têm interesse dialoguem e no final o interesse do
consumidor seja o mais preservado.
Agência Brasil -
Mudando de assunto, o senhor poderia comentar as investigações do Cade
no caso do cartel das empresas acusadas na Operação Lava Jato? A
população tem visto bastante da ação policial, dos depoimentos à
Justiça, mas é menos difundido que há um cartel sendo investigado.
Victor Rufino -
A área de competência do Cade é olhar para o cartel. Ele não olha
questões de propina, questões de corrupção. Há outros órgãos há quem são
atribuídas competências para tratar disso. Nós olhamos o acerto de
concorrentes para fraudar preços no mercado. Eventualmente, alguns
desses acertos envolvem também outros atos que não são da seara do Cade,
como pagamento de propina. Normalmente a gente conduz a nossa
investigação focada nesse ponto e, se encontra algo relacionado a outros
ilícitos, encaminha para quem é competente. A Lava Jato, começamos
investigar mais ou menos paralelo [à investigação do Ministério Público
do Paraná e da Polícia Federal]. Logo que se começou a investigar lá,
veio aqui a Toyo, do grupo Setal, e fez uma leniência informando da
existência do cartel.
Agência Brasil -
Tanto nesse caso, como no do cartel do metrô de São Paulo, vocês
fizeram acordo de leniência. A questão da delação premiada está em
destaque agora e, aos olhos das pessoas, parece ser muito nova. Esses
acordos funcionam bem? Há quanto tempo o Cade se serve deles para as
investigações?
Victor Rufino -
Existe a possibilidade de ser celebrado [acordo de leniência] desde
2003. Fundamentalmente falando, ele não é tão diferente da delação
premiada. A principal diferença é que ele é voltado especificamente para
cartel e tem essa conotação mais de crimes empresariais. Apesar de
pessoas físicas também poderem firmar acordo de leniência, é mais comum
que seja feito por pessoas jurídicas. De 2003 para cá, mais ou menos 50
acordos foram firmados e hoje é uma das principais ferramentas de
detecção de cartel. Investigações sólidas que a gente têm, cartéis
significativos que foram investigados, nasceram dos acordos de
leniência. No Brasil e no mundo é bem comum.
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